Um fantástico artigo do nosso Chico Alencar, publicado no blog do Juca
Kfouri. Veja o artigo na íntegra:
Fonte: http://blogdojuca.uol.com.br
POR CHICO ALENCAR*
Um centro cultural em Madri,
instalado em prédio abandonado por iniciativa do ‘Ocupa’ da juventude rebelde,
estampa frase marcante: “a cabeça é redonda, como uma bola, para que as ideias
possam circular”.
Lá no país dos atuais campeões do mundo de futebol percebi mais uma
razão da popularidade dos esportes com bola: o movimento, o giro inesperado, a
necessidade do rebatimento ou da habilidade na interação. A capacidade de
interrupção, do corte, e, para livrar-se dele, da tabela, do drible, da ágil
parceria. Tudo isso exige antevisão, rapidez de raciocínio, inteligência. Um
craque sozinho não arruma nada, exceto no tênis ou no pingue-pongue.
Faço essas cogitações porque vou sim, me interessar pelos jogos da Copa
do Mundo, em especial os da seleção brasileira, torcendo para que ela faça no
campo o que anda faltando na política brasileira: jogo limpo, solidário,
lúcido, empenhado, com espírito de equipe.
Recupero as origens de minha paixão pelo futebol – que é a de tantos, e
tanta que muda-se de partido e de cônjuge, mas não de time – para dizer também
que isso não se choca com os questionamentos sobre os preparativos para sediar
a Copa no Brasil. Protestar e torcer não são antípodas.
Digo isso com a autoridade de quem, ao lado de apenas oito deputados (e,
no meu caso, de Jean Wyllys, Ivan Valente e do senador Randolfe, na Câmara
Alta, como posição de partido), votou contra a Lei Geral da Copa, aquela que dá
a base jurídica para esse escrete de escândalos que podiam ser evitados.
Empolgar-se com belas exibições do ‘onze canarinho’, como até os
heroicos presos torturados na ditadura o fizeram, em 1970, não inibe o empenho
em denunciar o ‘time’ especializado em gols contra que acabou por compor tudo o
que faz desta a Copa dos… encaFIFAdos.
É triste elencar um hexacampeonato já conquistado, no qual o gasto dos
superfaturamentos derivados de atrasos supera o nosso gosto pelo futebol (1), o
alegado de obras viárias que viriam contrasta com o legado pífio que restará
(2), o louvor ao trabalho dos operários dos estádios não diminui a dor pelo
número recorde de mortos (nove!) em acidentes evitáveis (3), o orgulho de
sediar o torneio fica maculado pela submissão do Estado brasileiro aos ditames
da Fifa (4), a capacidade de mobilizar recursos orçamentários e de bancos
estatais (mais de R$25 bilhões!) evidencia o absurdo da carência em vários
outros setores de urgente necessidade social (5), a avassaladora propaganda em
torno do evento, movida por motes como ‘o futebol está voltando para casa’ ou
‘isto muda o jogo’, choca-se com a realidade de quem foi removido, perdendo sua
casa, ou ainda dela necessitando, nesse país com déficit habitacional de dez
milhões de moradias (6).
Apesar de tanto bolo, a bola, quando rolar, vai nos interessar, com seu
potencial de emular superação e estimular a bela e plástica criação. Diante da
TV, reunindo amigos, o copo repartido e o buzinaço a cada vitória fará com que
esqueçamos, por bons momentos, as negociatas da Copa, o ‘business’ total do
megaevento.
*Chico Alencar é professor de História, deputado federal (PSOL/RJ) e
flamenguista.
Fonte: http://blogdojuca.uol.com.br
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