A natureza e a política: uma análise antropológica sobre as catástrofes naturais no Acre

Por Leonardo Assumpção*

O Acre tem sido severamente castigado nos últimos tempos, devido às fortes chuvas e
enchentes que, neste ano, ocasionaram o pior desastre natural já registrado em sua história. Geógrafos, meteorologistas e outras áreas do conhecimento, se utilizam dos mais variados argumentos na tentativa de encontrar uma explicação convincente sobre as causas desses fenômenos. Afastando-se um pouco das discussões em torno do que ocasiona essas reações da natureza, o presente texto, busca despertar reflexões para uma outra realidade visualizada através de um olhar antropológico com foco nos efeitos e consequências causados por forças da natureza, que incidem na estruturação política e social do Estado. Mas afinal, o que a política tem a ver com estes desastres naturais?

Bom, através da ajuda de alguns teóricos no assunto, mostrar-se-á que existem traços herdados das sociedades primitivas que ainda permeiam nosso inconsciente coletivo, portanto, nosso meio antropológico e social. O primeiro ponto, também considerado o mais importante, é relacionar os mecanismos cosmológicos que levam determinada sociedade a culpabilizar seu líder, ou lideres, por desastres naturais ou insucessos. A respeito disto, Hobbes (2003) diz que “Quando faltaram os milagres faltou também fé”. E continua:


 “Também quando os filhos de Samuel [I Samuel 8,3], depois, de instituídos por seu pai como juízes em Bersabé, aceitaram suborno e julgaram injustamente, o povo de Israel recusou continuar a ter Deus como seu rei, a não ser da mesma maneira como era rei dos outros povos, exigindo portanto de Samuel que lhes escolhesse um rei à maneira das nações, assentado fica que quando falta a justiça a fé falta também, a ponto de os ter levado a depor seu Deus da soberania que tinha sobre eles.” (HOBBES,2003, p.94).

No trecho, acima mencionado, Hobbes  se fundamenta no fato de que até os patriarcas podem ser destituídos de sua soberania no poder político e religioso. Demonstra que, a bem da verdade, esta ideia é a base fundamental da qual Hobbes usa para afirmar que a sociedade como individuo coletivo, tem legitimidade para destituir qualquer governo, quando este faltar com suas obrigações e quando as coisa vão de mal a pior. Mas este traço da teoria hobbesiana é apenas o primeiro dos dois pilares que serão usados no presente texto. Vejamos o que René Girard tem à complementar e nos dizer sobre o assunto. Antes, porém, de citar alguns pontos da teoria girardiana em si, faz-se necessário um breve apontamento sobre algumas ideias apresentadas como fundamentais para melhor entende-la: a – O mecanismo do “bode expiatório”, consiste no fato de imolar culpados pelos males que estão acometendo a determinado povo ou sociedade; b – Os duplos - que consistem na ideia da qual as coisa, pessoas e fatos têm seus polos positivo e negativo -,  podem ser explicados basicamente com o seguinte exemplo: os Xamãs são figuras  representativas que trazem consigo o poder de cura para determinadas doença, mas, também, podem ser os causadores das mesmas. O exemplo citado anteriormente foi bastante razoável e didático a respeito do que são os duplos no pensamento girardiano; c – O sacrifício, pode ser de cunho ritual – aquele no qual há uma encenação do mimético (proibido) ou ele próprio -, ou institucional – aonde se depõe o entronado ou governante em virtude de suas ações.

Essa pena se dá como sacrifício simbólico deste poder, gerando assim a reconciliação para que posteriormente ocorra um novo ciclo.

Pois bem, após uma breve explanação sobre alguns pontos essenciais da teoria de Girard, vejamos o que ele  próprio afirma sobre isto:

“Os interditos visam afastar tudo o que ameace a comunidade. E as ameaças mais exteriores as acidentais, como as secas, as inundações, as epidemias, são confundidas, com frequência pelo viés das semelhanças entre os modos de propagação, com a degradação interna das relações humanas no interior da comunidade, o deslizamento para violência reciproca. A subida das águas, por exemplo, ou a extensão gradual dos efeitos da seca, e sobretudo o contagio patológico assemelham-se a propagação mimética.” ( GIRARD, 2008, p.34).

Através da citação acima, pode se observar com clareza, que o momento atual não poderia ser mais revelador para aqueles que têm o olhar e as ferramentas necessárias para formatar as análises sobre esta temática. A conjuntura em que os acreanos se encontram, na atualidade, demonstra o quanto esse fenômeno (mecanismo) antropológico aparentemente tão simples, se transforma numa força coletivamente assimiladora.

Por fim, agradeço a oportunidade de contribuir através deste pequeno texto, mas feito com muito carinho, levando-se em conta minha predileção pela temática e o pedido de um recente e verdadeiro amigo. Espero ter contribuído e ter trago à luz um tema tão importante, porém, pouco debatido em nossa sociedade.  





É acadêmico do curso de Ciências Sociais da  Universidade Federal do Acre - UFAC 

Comentários

Atonio Alves disse…
Interessante artigo. Leva a uma reflexão que perpassa o aparente..