Por Elias Pedroso*
Após um
período de muita tensão, solidariedade, cobertura midiática implacável e muitos
prejuízos ocasionados pela alta
proporção de transbordamento do rio Acre, em fim, o pesadelo das pessoas atingidas
pelas enchentes tende a diminuir, com a redução do nível das águas que
encontra-se abaixo da cota de alerta.
De fato, a
diminuição das águas, por si só, não devolverá a paz e a normalidade para
aquelas pessoas atingidas pela fúria do nosso maltratado rio Acre, que retribuiu
as agressões que vem sofrendo há mais de um século. Geólogos, meteorologistas,
e estudiosos de outras áreas do conhecimento, tentam colocar mais uma brasa
nessa fogueira, ou devo dizer, mais uma gota nesse rio, que desabriga milhares
de famílias todos os anos.
É inegável
que as enchentes de 2015 deixarão muitas marcas negativas, prejuízos
incalculáveis, pessoas que levarão muito tempo para reaver os seus bens matérias
e aquelas que jamais terão de volta os entes queridos que se foram nesse
período. Mas é igualmente verdade, que muitos aprendizados foram tirados dessa
calamidade. O espírito de compaixão para com o semelhante, a mobilização das
pessoas que, voluntariamente, se prontificaram a ajudar às outras, a dedicação
de profissionais, das mais diversas áreas, que arriscaram as próprias vidas
para salvar outras vidas, exemplificam, sinteticamente, a avalanche de
aprendizados que se tirou.
Contudo,
após o baixar das águas, é que veremos o que irá acontecer com as pessoas que
foram desabrigadas. As que ganharam casa, do programa minha casa minha vida,
terão um alento, pois ganharam um imóvel regularizado e longe do rio, o que
lhes deixa livre do pesadelo da alagação no próximo ano. Mas o que vai
acontecer com aqueles que terão que voltar para as barrancas? Provavelmente,
lutarão para reconstruir suas moradias e, por que não dizer, suas vidas.
Como é de
conhecimento geral, vários municípios foram afetados pelas enchentes. Cidades
que já possuíam economias estagnadas, devido às más gestões e aos poucos
recursos destinados às municipalidades, terão que enfrentar grandes
dificuldades para se reerguerem. Como isso será feito? Não sabemos. Mas sabemos que não se
reconstroem moradias sem dinheiro, principalmente para pessoas com subempregos
que já viviam de forma precária. Por isso, cabem aqui algumas perguntas: haverá
credito para quem não pode comprovar renda? Haverá desconto em lojas para
vitimas da alagação? Lamentavelmente, não conseguimos vislumbrar um futuro
promissor para essas pessoas, pois as instituições bancárias que deveriam ser
motor dessa reconstrução oferecem inúmeras barreiras para a concessão de
crédito a quem não possui renda fixa ou declarada, sem levarmos em conta as
taxas de juros altíssimas que cobram para a liberação de crédito.
O fato é
que não dar para ignorar a cruel situação em que se encontram os trabalhadores
acreanos, especialmente os atingidos pelas enchentes, no que tange à reconstrução
de suas vidas, pois, quando conseguem acesso a alguma linha de crédito, pagam
um valor exorbitante, três ou quatro vezes superior ao valor emprestado.
Outro
problema será a aquisição de novos móveis, eletrodomésticos e outros utensílios,
através de crediário nas lojas (que também cobram juros altíssimos), uma vez
que negativados dificilmente conseguirão ter acesso a essa modalidade de
crédito, o que piora ainda mais a situação. Cabe destacar ainda, que o
SPC/SERASA, não atua no serviço social, só financeiro. As águas se vão, mas as
contas a pagar permanecerão.
Se não
bastasse tudo isso, no mundo capitalista em que vivemos, alimentado por uma
perversa economia de mercado focada na obtenção de lucro a qualquer custo,
enquanto muitos enfrentam dificuldades para sobreviver, outros lucrarão com
suas desgraças. Essa lucratividade pode aparecer mascara das mais variadas
formas, que variam desde a decretação da calamidade por parte do executivo
estadual e/ou municipal, até a supersaturação das mercadorias por parte por
parte de alguns comerciantes.
A partir do momento em que o Estado entra em
calamidade pública, abre-se as portas para contratação de compras e serviços
sem os devidos procedimentos licitatórios, o que facilita a ação dos maus
gestores na obtenção de lucros advindos da liberação de verbas
emergenciais, compras de materiais e contratação de serviços superfaturados,
entre outras. Inúmeras são as facilidades que se apresentam, não só para os
políticos mal intencionados, mas também para os empresários que visualizam, nas
catástrofes, uma oportunidade de ampliar os lucros. Todo ano há uma expectativa
dos comerciantes que esperam uma alagação para aquecer o comércio. Se a cheia
for do rio madeira, a esperança de lucro se amplia em virtude da especulação
nos preços dos produtos básicos que inflacionam e geram mais lucros para os
grandes comerciantes.
Por tudo
isso, podemos afirmar que existe uma indústria da alagação no Estado do Acre,
que assola não só as vítimas das enchentes, mas a população em geral. Por isso,
o Ministério Público juntamente com a sociedade organizada e outros órgãos de fiscalização,
devem-se manter atentos no acompanhamento dos gastos do dinheiro público
destinado às medidas emergenciais, para que esses recursos sejam utilizados na
resolução dos problemas ocasionados pelas enchentes e não como fonte segura de lucro
fácil para os especuladores. Caso isso
não ocorra, aumentam-se os riscos de vivenciarmos outras enchentes similares a
esta seguida da mesma novela, porém sem final feliz.
* É Bacharel em História pela Universidade Federal do Acre- UFAC.
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