Acompanhar
os debates políticos no Estado do Acre é, quase sempre, uma aventura com traços
de comédia. Discursos demagogos e/ou contraditórios, representantes que não representam
políticos querendo ser heróis, projeto popular sem a participação da população,
legisladores que não propõem leis, sujo falando do mal lavado e pouquíssimas
atuações coerentes.
Na
sexta-feira (20/03), resolvi embarcar nessa aventura e acompanhar a votação do,
tão polêmico quanto perverso, Projeto de Lei nº 001/2015, de iniciativa do
Executivo municipal, cujo propósito é isentar as empresas concessionárias do
transporte coletivo de Rio Branco do Imposto Sobre Serviços (ISS) e da Outorga.
Ao
adentrar ao prédio da Assembleia Legislativa do Acre, onde, provisoriamente, os
vereadores estão realizando as sessões da Câmara Municipal de Rio Branco, o
cenário já indicava o que estava por vir. Seguranças espalhados por todas as
partes utilizavam detectores de metais para revistar os cidadãos e cidadãs que
se dispuseram a acompanhar a solenidade. No plenário, os servidores da casa
aguardavam a chegada dos vereadores. Na sala reservada à imprensa, os
profissionais da área se aglutinavam em busca dos melhores ângulos. Na galeria,
populares aguardavam os resultados das votações, enquanto a segurança da
"casa do povo" filmava os presentes, numa tentativa de intimidá-los.
Enfim, o
cenário estava pronto para o espetáculo que seria a sessão extraordinária
marcada para votar o Projeto de Lei 001/2015, que beneficiará as empresas de
transporte coletivo de Rio Branco, com a isenção do Imposto Sobre Serviços
(ISS) e da Outorga.
Checados
todos os detalhes, o palco estava pronto para receber os atores que iriam
protagonizar aquela encenação ou sessão, como queiram chamar. Ainda assim, faltava um detalhe importante,
afinal um verdadeiro espetáculo precisa despertar a ansiedade da plateia. Talvez este tenha sido o motivo que fez com
que a solenidade tenha sido iniciada com quase duas horas de atraso.
Ao chegar à tribuna, devidamente planejada para proporcionar
uma visão panorâmica privilegiada, o presidente da mesa diretora da Câmara
Municipal de Rio Branco, Artêmio Costa (PSDC), iniciou a atração da noite,
enfatizando o ato heroico dos atores, ou melhor: vereadores, que não
receberão nenhum centavo a mais do erário público por participarem
daquela sessão. Em seguida, iniciaram-se os debates em torno do já mencionado
projeto posto em votação naquela noite.
Rabelo
Góes (PSDB), autor do pedido de vistas na sessão do dia 17, ocupou a tribuna
para explicar os motivos que o levaram ao pedido de vistas. De acordo com o
vereador, o referido projeto apresenta uma série de contradições, na medida em
que "diz que as empresas vão ser isentas de tributos, mas não diz o valor
do montante que vai ser isento", afirmou Góes.
Marcelo
Jucá (PSB), incorporando um dos poucos discursos coerentes, falou sobre a
dificuldade que os representastes da prefeitura têm de dialogar com a população
e o descompromisso das empresas para com os trabalhadores. De acordo com Jucá,
a prefeitura fez a renovação das concessões sem discutir com os usuários do
transporte coletivo. "Depois da renovação das concessões do transporte
coletivo sem discutir a qualidade dos serviços oferecidos pelas empresas, junta
à população, a prefeitura aumenta a passagem de ônibus. Agora chega um projeto
de lei que vai isentar as empresas de mais impostos sem que as mesmas repassem
o que prometeram para os trabalhadores, não posso votar favorável a este
projeto", finalizou Jucá.
Lene
Petecão (PSD) agradeceu aos estudantes que a procuraram para debater o projeto
e formular as emendas necessárias, mas foi enfática ao dizer que "os
debates não vão levar a nada, uma vez que o resultado final, todos já sabem,"
ponderou a vereadora.
Na
defesa do projeto, Gabriel Forneck (PT), se pautou na velha retórica de que há
muita coisa a ser feita para melhorar o sistema de transporte de Rio Branco, mas faz questão de frisar que há
10 anos o transporte coletivo era um caos. O vereador salientou ainda as
melhoras obtidas a partir da isenção do ano passado, que, segundo ele, possibilitou a aumento de pelo menos nove
linhas de ônibus. Forneck, ainda admitiu a necessidade de maior fiscalização do
transporte público pelos vereadores e pela população, que, segundo sua análise,
"é a responsável pela qualidade do transporte".
Outra
que saiu em defesa da isenção, foi a vereadora Rose Costa (PT), que gritando
como se estivesse em um palanque eleitoral, proferiu seu discurso dizendo:
"Estou aqui para fazer o discurso da verdade. A nossa população que tanto
clama pela verdade, também tem que se apropriar da verdade", ressaltou a
vereadora. Discurso moralista, sem nexo e até mesmo contraditório com as
práticas majoritárias que imperam naquela casa.
Mas
algo ainda mais hilário estava por vir: as falas de Juracy Nogueira (PP) e
Alonso Andrade (PSDB), na defesa do Projeto de Lei 01/2015. Juracy declarou
voto a favor do projeto porque, segundo ele, "o prefeito vai garantir a
passagem de R$ 1,00, para os estudantes e R$ 1,90, para a população em
geral". Uma demonstração clara do conhecimento que o ilustre vereador possui
sobre o transporte coletivo na capital
acriana. Mas, para sorte do vereador, muitos usuários do transporte coletivo
estavam na galeria para informá-lo de que o valor da tarifa de ônibus em Rio
Branco é de R$ 2,90.
Já
o vereador Alonso Andrade demonstrou sensibilidade para com os empresários do
transporte coletivo. Em sua opinião “se o projeto não for aprovado vai ser ruim
para os empresários porque eles dão transporte para a população", destacou
Alonso.
Se
ainda estivesse fisicamente vivo, Michel Foucault provavelmente vibraria ao
analisar os discursos proferidos pelos ilustres "representantes do
povo" no parlamento mirim de Rio Branco. Reafirmaria sua ideia original de
que o discurso sempre se produz em razão
das relações de poder. Voltaria a alertar para o perigo que é enxergar, nos
discursos, apenas "um conjunto de signos", significantes que se
referem a dado conteúdo. Isso, porque, os verdadeiros significados desses
discursos, muitas vezes, aparecem ocultos, distorcidos, dissimulados ou
intencionalmente deturpados para garantir que as verdadeiras intenções dos oradores
não sejam percebidas de imediato.
Analisando
o cenário e, consequentemente, os debates, ficou claro que a votação do projeto
era pautada em decisões meramente política e não em fundamentações técnicas,
que justificassem a isenção como alguns tentam argumentar. Isso ficou ainda
mais claro na medida em que a maioria dos vereadores desprezou os apelos feitos
por usuários do transporte coletivo, estudantes e sindicalistas, contrários ao
projeto, que estiveram presentes na conturbada sessão do dia 17, que culminou
na detenção de um sindicalista e foi interrompida graças ao pedido de vista do
vereador Rabelo Góes.
Outro fato ignorado foi o esforço dos estudantes da
Universidade Federal do Acre - UFAC, que apresentaram algumas propostas de
emendas, horas antes da votação do dia 20, que, nem ao menos, foram colocadas
para apreciação em plenário. Assim sendo, a impressão que ficou a de que a
aprovação do projeto com 12 votos favoráveis e 4 contrario era algo premeditado
e que a sessão era apenas espetáculo para
legitimação do projeto.
Na
realidade econômica em que se encontra o Estado do Acre, especialmente o
município de Rio Branco, profundamente abalado pelas enchentes que destruíram
parte significativa da cidade e
desabrigaram milhares de pessoas, cujos prejuízos levarão anos para
serem reavidos, é inadmissível a aprovação de uma lei que isenta as
concessionárias do transporte coletivo, de repassarem aos cofres públicos algo
em torno de R$ 9 milhões, de acordo com informações de um site notícias local.
Não
está se tratando aqui de isenção para empresários afetados pelo fenômeno
natural das enchentes que devastou vários empreendimentos na capital. A isenção
é para as empresas que, de acordo com as informações coletadas pelo vereador
Rabelo Góes, arrecadam, anualmente, um montante que se aproxima dos R$ 72
milhões de reais. A justificativa de novos investimentos na renovação da frota
com a aquisição de mais 20 ônibus este ano e 10 para o ano de 2016, bem como, a
propagada melhoria na qualidade dos serviços oferecidos, também não justificam
o sacrifício dos riobranquenses, por que o lucro das empresas obtidos através
do aumento exorbitante das tarifas de ônibus, ocorrido no final de 2014, já
utilizava esses argumentos.
Lamentavelmente,
essa falta de costume que a maioria dos políticos tem de ouvir a população,
fatalmente incorre no descredito do povo para com os seus representantes e as
instituições. A participação direta da sociedade na tomada de decisões é
indispensável para o fortalecimento da democracia, pois, quando o representante
não representa os representados, a situação pode se agravar ao ponto de
ocasionar o prelúdio do falecimento da democracia e a reabertura para o caos.
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